domingo, 19 de julho de 2009

Garagem.

Imagine uma garagem cheia de coisas. Muitas e muitas coisas; tudo acumulado; coisa em cima de coisa. - Essas coisas me parecem tudo aquilo que já foi me apresentado e que eu acolhi sem saber ao certo definí-las quando e para qual uso serveriam à mim, por isso as guardei com a esperança de que um dia poderia usá-las. São as inumeras religiões que conheci, inumeras histórias que ouvi, exemplos que segui, músicas que senti, gostos que experimentei.
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Mas a TV vem falando que uma tempestade está por vir. Eu não estava acreditando, pois tudo parecia imutável. Eu não queria família e estava certo daquilo. Eu nunca iria me esquecer de certas pessoas, meu amor por uma pessoa ia ser para sempre, que eu iria sempre procurar aqueles mesmos lugares. E isso tudo era tão simples, fácil de aceitar. A TV quase que simboliza as pessoas mais velhas, que dizem que a maturidade vem e a gente muda e que certas mudanças são lentas, mas outras são tão rapidas e perceptíveis. Nossa, como são!
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Desligo a TV porque o papo tá muito chato, cheio de blás blás e nhês nhês nhês e vou lá fora. Me deito na grama. Começo a sentir algo estranho, como que se a TV ainda estivesse ligada na minha mente. Percebo que o céu deu uma escurecida, bem bonitão. Olho pro lado onde está a garagem e vejo que o portão está aberto. Vou até lá, sem perceber que quero previnir um alagamento da garagem caso chova. Mas o portão não se fecha mais. E bate um desespero - é quando a gente parece estar louco por mudarmos tão rápido, como se não tivéssemos raízes. E temos, estão sempre lá.
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Mas aí consigo me acalmar rápido. Desligo a energia e no começo da minha rua (onde só tem a minha casa) coloco uma placa de "não ultrapasse/ fechado". E começo a tirar tudo o que está na garagem. Mas não é como olhar fotografias. É tirar, apenas tirar, sem separar ou acumular lá fora isso com aquilo. E ir pegando sem notar o que está pegando: retirar.
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Hoje eu consegui tirar tudo. Agora estou guardando coisinha por coisinha. Separando o que não presta pra mim e jogando-as fora. As que prestam eu as coloco no devido lugar, seja no quarto (coração), na cozinha (experimentação) ou na sala (discussão sobre). Algumas, ainda voltam pra garagem. Permito que façam isso.
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Sei que ainda há muita coisa pra guardar e muitas que irão aparecer, que vou ganhar. Mas a garagem (mente), eu dou sempre uma checada, vai que guardei algo alí e nem percebí.
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A tempestade já passou. Vieram outras ameaças, algumas relampejando ou trovejando, outras mais amenas, mas que também já se foram. A maioria nem chegou por essas minhas bandas. Mas meus dias têm sido de luzes, tanto do sol quanto da lua ; flores vibrantes; cheiros que de tão bons atordoam os outros sentidos; gostos que eu sei que nunca mais vou experimentar com as mesmas emoções; sons internos se transformando aos sons externos; boas visitas; o movimento do meu corpo é singelo e peculiar e eu o entendo muito bem. E a mente? Nem as dúvidas poluem o imenso oceano de paz que reina sobre ela.
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Minha garagem está limpa, perfeita.